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words    /    Luisa Duarte

Gustavo Prado conversa
com Luisa Duarte:
“Colisão Conluio”


(Rio de Janeiro - 2017)

 
Luisa: …para que o Gustavo possa discorrer sobre essa exposição, sobre esse trabalho,  porque eu acho que sem dúvida vai ser uma alegria para vocês como foi para mim escutar um pouco das ideias dele sobre isso. Então eu estou aqui mais para não esquecer de fazer as perguntas certas e levantar os assuntos que a gente tocou um pouco, então eu vou ficar aqui checando de quando em quando esses papéis para não perder o fio da meada de alguns tópicos que eu acho muito importantes. É uma alegria para mim estar aqui, eu conheço o Gustavo faz muito tempo e a gente teve um primeiro encontro de trabalho, quando eu fui curadora do Rumos Cultural de Artes Visuais em 2005-2006. O tempo está passando para a gente também, isso já faz o que, uns 13 anos? a gente tinha 15 na época (risos). E aí eu lembro da obra do Gustavo e eu acho que ele vai falar em algum momento disso aqui, eu achava o Gustavo muito, talvez, impregnado de certas referências importantes para ele na história da arte, um trabalho ainda muito jovem onde essas referências apareciam ainda de uma maneira muito evidente e acho que isso aqui, existem obras aqui que talvez sejam o resultado de um processo de amadurecimento e até de uma certa revisão crítica mesmo da sua própria trajetória onde essas referências continuam aparecendo mas sob uma outra chave né e acho que vai ser interessante também à luz desses trabalhos discorrer um pouco sobre essa trajetória. Vamos começar então, acho que um caminho para a gente, eu vou usar a conversa que a gente teve, como um fio da meada, um roteiro, porque eu acho que foi muito rico. A gente começou uma conversa sobre essa exposição falando primeiro do trabalho dos espelhos que são esses mais conhecidos e aí eu falei, me dá algumas pistas Gustavo e aí ele já começou falando do estágio do espelho de Lacan, na psicanálise e falando do Tunga ''Fui ver a exposição do Tunga'' que eu fiz a curadoria, junto com Evandro Salles que está no MAR, quem já foi ver ou ainda pode vir a ver, deve ver, acho que vale a pena ver o Tunga, sempre é bom, ver, rever, e aí ele falou, você me corrija alguma coisa Gustavo, e ele falou ''Nossa, o Tunga, acho que ali para mim, ele está lidando com como se fosse esse amálgama entre os corpos, entre as coisas, é como se fosse um estágio anterior a esse momento onde as crianças se reconhecem no espelho e se separam da mãe e dos corpos ao redor'' e ele vai falar que o Tunga talvez estivesse trabalhando num estágio anterior e que ele se interessaria por esse, por uma outra lida, como se fosse, a gente olha para esse espelho, se vê refletido nele, mas o que há é uma fragmentação e ele não nos devolve aquilo que a gente espera encontrar. E a gente podia começar falando um pouco desse espelho estilhaçado.  Essas esculturas câmeras são também uma outra expressão interessante que você usa para falar desse trabalho.

Gustavo: Essa série e acho que uma boa forma de começar, é começar por ela e uma  forma de falar dessa primeira etapa da carreira também, primeiro porque ela se tornou mais familiar do público do Rio, passando por alguns lugares, e aí eu queria além de falar do Tunga, falar do Paulo Sérgio e do puxão de orelha que eu recebi, que eu acho que é uma das coisas que me motivou em apresentar esse produto mais amplo, essa provocação de ter um trabalho que sai na frente, ele se torna mais visível e as pessoas que me acompanham podem dizer “mas poxa, está a sete anos fora, está trabalhando para caramba, se continua sendo o Gustavo que a gente conhece, trabalha para caramba, faz algumas coisas pretensiosas, grandes, mas é só essa série dos espelhos?” E usei esse gancho também na conversa com o Ricardo e com a galeria, para dizer, olha tenho vontade de mostrar um conjunto mais amplo, e aí acho que tem várias questões desse trabalho que superam aquele trabalho daquele momento do Rumos de quando eu era mais novo, uma delas é essa ideia do escultor que se desdobra da figura do arquiteto e aqui no brasil a gente tem essa figura quase mitológica do Niemeyer, alguém que desenha, que projeta, que resolve os problemas, que tem esse olhar para o universal, para um estilo pessoal e pouco para a cidade e para a realidade das pessoas, então, traça, planeja e fabrica. Então meu caminho começa dentro desse modelo, e claro, artistas jovens, sem grana e tal, tem várias coisas que falham, então, pesquisando novos caminhos, começo a combinar coisas, numa outra estratégia, numa estratégia de encontrar dentro de uma cidade cercada de fábricas e lojas, uma variedade imensa de materiais, encontro uma maneira de construir o trabalho pela combinação de coisas pré-fabricadas e já acessíveis a todo mundo. Então o trabalho chega no Rio com esse caráter super minimalista, mas ele é de fato uma colagem de espelhos que ora estão nas lojas, nas bodegas para impedir que alguém furte alguma coisa desavisadamente e ora nos espelhos de retrovisores de carros, isso é do ponto de vista da solução visual, formal dele, abrir mão do papel, do desenho dessa figura de quem projeta e resolve, para alguém que associa e pela associação tenta fazer com que o espectador perca a memória do material que era o material de uso original, essa tarefa de te fazer esquecer a memória do próprio material, só que aí o que se gera como experiência disso tem uma memória daquelas instalações que tinha coisa do sensor de presença de capturar numa determinada posição do espaço. O Pedro, que acabou de chegar, tem um texto lindo sobre isso, foi a primeira pessoa que escreveu sobre meu trabalho, então de uma certa forma essa coisa do espelho, também te situa em um determinado lugar, mas a conversa com o Tunga é uma conversa com uma fala dele, logo depois dele ter morrido, onde ele fala sobre uma exposição que ele fez na Luhring Augustine, e aí ele se refere a um conjunto que está exposto lá como uma espécie de investigação dessa etapa, onde a criança diante de um espelho, ao lado dos pais se dá conta que o corpo se mexe independente do pai e da mãe, então que aqueles pedaços e partes do corpo que meio que se misturavam com outras partes e com outras partes dos pais são partes de um coisa só, de um indivíduo com consciência e que tem autonomia em relação a esses outros corpos. Aí o Tunga vai dizer que a etapa dele é a etapa anterior a essa formação desse eu e dessa consciência, como se você pudesse ter essa coleção de partes, anteriores a um eu. E eu fui muito tomado por isso porque eu estava lendo isso por causa do texto do Hal Foster que fala sobre a noção de abjeto que eu acho que está um pouco nesse trabalho, um corpo asqueroso, um corpo machucado, um corpo danificado, e o Hal Foster fala nesse texto e fala nessa etapa do espelho, então eu estava lendo isso achando que isso tinha caído no meu colo e que isso articula um pouco do que eu achava que estava acontecendo na experiencia do espelho, e aí me veio a ideia do espelho obediente ou de um experimento que é um anti espelho obediente, ou seja, você não controla exatamente nesses trabalhos de onde que eles te pegam como na experiencia de ser fotografado, como o Roland Barthes fala desse desconforto de ser pego de um angulo que você não espera, por que você já construiu uma memória da sua própria imagem pela experiência do espelho que quando alguém te fotografa em uma outra direção, aquela foto desmente o que durante anos você conheceu de você pela experiência do espelho. Então, é um pouco pretensioso achar que eu tenho essa conversa com o Tunga, porque o Tunga essa pessoa, primeiro trabalho de arte contemporânea que eu vi na vida com uma professora que eu não lembro mais, que mostrou o touro, o vídeo dos dois irmãos no São Vicente.

Luisa: A Sheila, nossa professora de artes.

Gustavo: A Sheila, isso mesmo. Então você acreditar que está vários capítulos e várias fases de séries, na temporada 27 você conversa com aquele cara que está na origem do teu pensamento é ao mesmo tempo pretensioso e eu to vivendo um pouco isso nessa volta para o Rio agora, essa ida lá, a morte do Antonio Dias, esse reencontro com os caras que estão, sem eu perceber na formação do meu caminho.

Luisa: Acho que a gente podia, a medida do desperdício é um título que eu acho também que também, mais uma vez a medida do desperdício ao rigor da distração a gente foi fazendo algumas associações, mas vamos ficar na medida do desperdício. Essa medida que talvez fosse esse espelho que espera que de uma medida, um frame que você já se reconhece, mas esse desperdício como aquilo que sai desse frame, que falha.

Gustavo: Aí tem uma ideia que me interessa desde aquela época, a pulsação de presença e tal e que está desde o Duchamp, aquele botão que usa uma chave que você vira e convida o espectador para acionar, era uma roda né? Acionar um daqueles trabalhos, essa questão da interação está presente na arte brasileira para caramba, mas os sensores tinham essa coisa de uma combinação de eventos limitada, porque as cores que eles acionavam nesse espaço pré-programada por mim era limitada, análise combinatória, essa ideia da medida da dispersão eu achei mais legal porque fala de um movimento na estatística de tentar encontrar uma fórmula matemática, uma equação, e que dê conta de eventos muito complexos, o movimento das marés no Golfo do México, o cara matemático maluco que persegue padrões nesse fenômeno que é quase complexo demais para medir, então eu achei que tinha uma contradição no trabalho que falava disso, ou seja, um sistema lógico, geométrico, carregando esse passado da arte concreta e minimalista e tal, mas que se dedica a capturar no entorno eventos que inclusive não estão restritos a própria experiência da galeria e ao cubo branco do museu, trabalhos que querem estar ligados a uma árvore, que foi o caso do que eu fiz em Toronto, ou um festival de música, agora esse da Firjan, parece ter uma lógica super rigorosa, mas o que essa lógica sustenta é uma vontade de se misturar com fenômenos fora dessa pureza do espaço da arte, fora dessa pureza do espaço do museu que tá também no trabalho do/

Luisa: Harlem Turrell, que é aquele trabalho que está ali atrás da gente, onde justamente o Gustavo fotografa né Gustavo, durante anos no caminho da casa para o ateliê com o celular, faz até uma hashtag né, a fim de acreditar para quem conhece aqui o trabalho do James Turrell, ele realmente trabalha essa questão da luz e muitas vezes criando essas fissuras dentro do interior de  museus e instituições com essa entrada do mundo exterior dentro desses lugares, mas como diz o Gustavo permanece ali o museu, a instituição com uma moldura para esse exterior e o Gustavo vai ali numa persistência de quem sabe a convicção de que ao longo do tempo ele tanto vai imantar esse gesto de uma intenção, de que aquilo vai ganhar um certo significado, uma materialidade, acho que é interessante a gente falar nesse sentido, está aí no título a presença da referência importante para o seu trabalho que está na história da arte, que estava já naquele trabalho que era um pouco James Turrell, um pouco penetráveis do Helio Oiticica, de 2005 mas agora em uma outra chave usando um celular, uma coisa prosaica do cotidiano para fotografar um caminho que você faz que continua com um diálogo crítico com a historia da arte, acho que seria para continuar…

Gustavo: É, na verdade eu fico montando os trabalho juntos, mas esse trabalho nasce numa vontade mesmo de perder esses pedaços e cascas daquele primeiro momento do trabalho e fazer uma crítica ao herói daquele momento meio que para ganhar força para o momento seguinte e engraçado que eu começo amparado por alguns artistas próximos que eu gosto né, então essa coisa do hashtag é um brincadeira com o Marcos Chaves, por que o Marcos e o Gabriel Orozco, trazem para a fotografia e aliás em uma conversa com Marcos Chaves, porque o Marcos antes do Gabriel, inaugura essa operação da ideia da fotografia como a coleção de um evento, você caminha pela cidade, você se depara com a repetição de uma coisa que para outros passaria despercebida e você passa pela fotografia a colecionar esse evento, então o hashtag é uma brincadeira para o Marcos, que reage seriamente, tipo observa isso, o Raul e tudo mais, e aí tem várias coisas que estão em jogo aí, como essa questão da apropriação, você de fato pode subir nos ombros de uma outra artista, como o Turrell, usar o próprio sistema do trabalho dele para alavancar um outra etapa? Eu até tive uma conversa com um cara do direito autoral em uma residência que eu fiz no museu do Bronx, onde  o cara discutia se isso é, do ponto de vista legal, possível de se fazer ou não/

Luisa: …chapados de si mesmo, da paisagem e que também tensionam, mais uma vez esse material completamente ordinário, banal, como estão os outros trabalhos né, acho que nesse sistema está sempre subjacente como você falou ali, a criança fazia melhor que eu a brincadeira que você tinha proposto anteriormente, quando você dá na mão da criança ela parece que desempenha sem o juízo crítico qual era a finalidade daquilo melhor do que você né e talvez o lego se prestasse aqui melhor ao que você estava querendo dizer né, assim como o celular para falar do Turrell, de alguma maneira está sempre havendo uma certa, como você falava de matar o pai, tentando fazer uma crítica mesmo a certos pilares da sua história. Mas, vamos falar aqui deste trabalho.

Gustavo: Esse trabalho ele surge de um exercício muito parecido com os outros, no sentido de colecionar imagens sabe, só que diferente dos outros ao invés de ser uma foto que eu tirei dentro de um percurso na cidade, é engraçado que se parar para pensar tem a ver com um percurso também, físico de caminhada, que é a experiência de chegar em Nova Iorque, entrar no Metropolitan, aí naquele museu gigantesco com todas aquelas alas, você vira para um grupo de salas e vê um homem crucificado, aí você vira pro outro lado, para outra ala do museu e você vê um homem sentado meditando, aquilo me espantou porque é o mesmo problema, a questão do sofrimento, um caminho e outro caminho, aí depois veio assim, isso aqui me é muito familiar, isso aqui não é.

Luisa: O que era familiar?

Gustavo: O Cristo. O Buda, era uma coisa de completo estranhamento, como assim sentou e meditou, aliás tem até uma conversa com o Francisco Bosco sobre isso que as pessoas vêem isso como alienação, que não tem nada de alienação, aí eu comecei a me perguntar o seguinte, o quanto de ter crescido na ala de cá do Metropolitan fez de mim quem eu sou ou de nós, ou do lugar que eu venho né. Essa ideia de que uma determinada relação com o sofrimento e as imagens que são produzidas nessa relação faz de mim uma pessoa e não outra me faz no início colecionar essas pinturas e olhar para todas elas recorrentemente tentando achar alguma pista e aí eu começo a reparar nessa pintura como uma espécie de marco divisor de águas nesse cânone da pinturas de martírio porque o Jusepe de Ribera quando ele pinta esse que é o martírio de São Felipe, ele pinta o São Felipe olhando pro alto e não tem sobre ele como em outras pinturas a figura de um, dois, três, anjos, dependendo do orçamento do pintor, para dizer para o santo, querido, está garantido, vai tranquilo, vai que a gente está aqui. Não tem isso, o São Felipe ele olha para cima e diz ferrou, você não sabe exatamente qual é a natureza da pintura dele, mas é um exercício de usar um brinquedo de criança que a princípio tem também essa pretensão de universalidade né, inclusive o documentário sobre o lego na Netflix, o cara que define as cores do lego é Mondrian, a associação do lego com um projeto moderno, não sou eu quem está fazendo, está no DNA dos caras que vai ser capaz de transmitir para as crianças os conteúdos mais puros e elevados possíveis. A cidade, a cidade ordenada e pacífica. A polícia, que dizer, a polícia, esse instrumento pedagógico, esse produto pedagógico, se você aplica o Turrell no Harlem o que, que se dá? E aí, eu acho que tem uma discussão um pouco mais complicada e política que é assim, eu já estava trabalhando com o primeiro painel, ele estava andando um pouco devagar, tinha outra peça para colocar, um negócio um pouco repetitivo, aí começam a vir uma série de notícias dos ataques aos museus brasileiros e do esforço de um determinado grupo de direita de colar sobre um evento, uma performance no museu de São Paulo, um determinado sentido para nudez. Então tem um certo juízo sendo feito sobre a nudez que não está feito de um lugar neutro, está feito de uma determinada memória do corpo, que a gente construiu no convívio com o nosso corpo? com a imagem do espelho? Não, com as imagens de corpos pelos quais a gente convive na história da arte, enfim, em outros espaços onde há imagem de corpos, ou seja, dentro de espaços religiosos. Então, me veio uma conversa que era uma conversa que por questões de liberdade de expressão, pouca gente quer ir, que é assim, o conteúdo religioso, ele é sempre um conteúdo para a infância? Qualquer que ele seja? Uma imagem de violência e tortura, se ela for uma imagem religiosa, para a infância, está valendo? A gente quer questionar a autonomia de pais e mães com a nudez?  A gente quer questionar a autonomia de pais e mães para o contato das crianças com imagens de violência seja onde for? Então o trabalho que estava um pouco indo, assim, eu disse, está na hora, está na hora, vamos lá. E é complicado sabe, porque você meio que tem que acompanhar com uma fala e você tem que tomar a decisão se você quer se arriscar com essa fala ou não, e aquela coisa que eu estava dizendo no início, o trabalho de arte não resolve o mundo, não basta né, tem que ter outras ações sobre o mundo para resolver os problemas, mas daí, estar fora do meu país, investigando o que que significa ser um artista deste país, investigando a minha própria história e meu contato com as imagens que vem do país de onde eu venho, quer dizer, participar da publicação de uma revista, onde você reuniu para a Jacarandá um conjunto de textos tão fortes, um conjunto tão importante, eu queria fazer parte desta publicação, tinha esse impulso de resposta sabe, dentro do que cada um tem, traz o que tem né, negócio de festa americana, no meu caso era um trabalho e aí a última coisa que eu queria, falar sobre o trabalho, religião para mim é uma espécie de intermediação com o mistério, não é um lugar de controle ou de definição e de interpretação ao pé da letra né e mais que isso, se não é a arte a fazer esse diálogo com a política e com o uso da religião, onde é que isso vai se dar né, onde é que vai acontecer. Esse trabalho tem várias questões.
Luisa: Várias questões. Você falou que queria participar da Jacarandá, o Gustavo tem uma coisa de uma posição de um interesse de participar criticamente de várias discussões, uma pergunta para a gente falar um pouco mais, que é um interesse meu dentro das pesquisas, quando você diz que o celular é muito importante nessa exposição como um todo e acho que aquilo ali é óbvio das fotos que foram feitas com o celular, mas talvez estendendo um pouco mais a conversa, é importante o celular, é importante essa tecnologia, também até que ponto um pouco dessa nossa conversa de hoje mais cedo, dessa tecnologia que veio como uma certa promessa de conexão entre as pessoas, ou mesmo retomando o texto do Badiou e de outros desses artistas, com essa edição das imagens e juntar tudo e esse lado onde essa tecnologia foi dada no que deu, acho que você tem um discurso muito crítico em relação a isso, que talvez seja bom que essas pessoas que estão aqui ouçam um pouco e desse lugar, como é que te serve obviamente, você usa o próprio instagram, uma rede social, faz a hashtag do trabalho, talvez isso venha como uma riqueza que abre espaço e possibilidade para o trabalho acontecer de uma maneira mais prosaica e mais próxima do que você quer, longe dessa construção que você pega e associa coisas e manda fazer, executa projetos, então nesse sentido, ótimo celular, mas num outro sentido também uma tecnologia que surgiu aí como uma armadilha, não sei se estou misturando muitas coisas e talvez até em certos momentos quando o trabalho mesmo, o trabalho quando tinha aquela grande instalação nesse festival, Coachella, onde todo mundo vai fazer o fatídico selfie, e na verdade o selfie sai todo distorcido, porque nunca o trabalho permite que você saia por inteiro.

Gustavo: É, eu acho que você descreveu muito bem, de fato tem assim várias estratégias do trabalho que são estratégias de agilidade e de trabalhar com os recursos que tem né, então essa coisa do celular de fato é uma plataforma que te permite, aquele trabalho do vídeo foi quase todo editado no celular, capturado e editado num programa disponível no celular e a qualquer momento, você pode se deparar com um evento e registrar né, você não tem um bloco de anotação você tem o próprio celular, agora essa conversa que a gente estava tendo sobre essa questão do Badiou ela vem de um momento que é um momento onde eu comecei a trabalhar com arte  que você tem uma espécie de banquete, os programas estão disponíveis para todos, as imagens estão disponíveis para todos, essa imagem foi retirada da internet, eu não fui ao Prado fotografar, então desse imenso acesso, desse grande lugar de liberdade, o que vai se criar, uma sociedade mais democrática, a primavera árabe, todos seremos djs, todos seremos vjs, quer dizer, esse elogio do Badiou a esse momento né, o artista é aquele que mistura repertórios já dados, e aí o que eu acho que a gente está vivendo é um espécie de momento seguinte onde essa mistura, essa colagem, essa edição, a ideia de edição se transformou na ideia de manipulação, essa ideia de uma plataforma que junta todos nós e que por isso levaria por mais acesso ao outro, por mais discussão com o outro, por mais oportunidade de conviver mais com o outro, de convencer mais ao outro, de que todos nós seriamos convencidos uns pelos outros da propriedade dos nossos argumentos, o que resultaria disso seria uma realidade mais justa, uma realidade menos careta, um pensamento mais aberto, mais plural e aí começa a se revelar que a própria plataforma contribui para o dissenso, para o desentendimento, para frustração, para a agressividade, e aí entra esse trabalho, essa pintura que é meio poema concreto, meio panfleto, esse exercício de identificar não só uma estrutura que acontece dentro dos trabalhos da vontade de causar conluios ou colisões mas de uma referência a um ambiente mais amplo que a gente está vivendo, onde não há o exercício da política, não há fazer política, tem consumir política, e aí cada um tem seus gostos, cada um tem sua preferências, a gente não está trabalhando com consenso, a gente está trabalhando para reafirmar a cada etapa situações de colisão e de conluio, porque aos olhos do outro, quando eu concordo com o grupo de cá eu não concordo legitimamente, porque as minhas preocupações com o grupo de cá são legítimas, eu concordo aos olhos do outro porque estou em conluio, tem algum interesse, então a gente nem sequer respeita mais a autoridade, e aí dentro desse texto, dessa alternância entre colisão e conluio, vem essa ideia de ilusão que é um acidente dentro da estrutura de poema que também carrega uma espécie de mensagem de intenção que é essa ideia de que essa separação, essa falta de empatia, acreditar radicalmente de que você projetar sobre o outro seu interesse, de que você avançar sobre o outro sem negociar, sem encontrar um lugar de bom senso, essa ideia de que essa separação que essas plataformas geraram, não vai gerar um grupo hegemônico, vai gerar uma sociedade mais intolerante e a impossibilidade de gerir a cidade, de gerir o país.

Luisa: …Então eu vi essa exposição no sábado e estou aqui hoje e foi o tempo enfim de levantar as questões, mas antes de abrir para as perguntas, o que me chama atenção nesse encontro com o Gustavo com o trabalho dele e pensando nesse tempo entre o momento que a gente trabalha no Rumos em 2005 e agora em 2018 é de ver como você construiu e é admirável e é corajoso e me interessa o lugar do seu trabalho a forma que ele existe o pensamento que ele deflagra porque tiveram duas coisas aí nesse meio tempo, vou tentar me fazer entender, talvez realmente o trabalho daquela época nasça muito impregnado por referências e a gente vê, o Rio de Janeiro é uma cidade, e eu cresci também com artistas da minha geração, eu como curadora, crítica, onde eu olhava para aquilo e dizia a nova arte velha, de tanto que você olha para um trabalho, você enxerga tanto o DNA daquele trabalho que de novo, não que você tenha que ter algo novo mas quem é do ramo vai entender de quem e do que eu estou falando, então existem esses trabalhos que ficam muito colados a uma certa herança a esse DNA, essas referências ficam tão presas que você fica vendo coisas muito próximas, claro que muitas bem executadas, que tem um lugar nobre porque se filiam a uma tradição mas que realmente não te desafiam e que talvez careçam de um diálogo mais urgente com o mundo a sua volta, que agora existe no seu trabalho, que talvez naquela época não existia e o que a gente vê também nesse período desses 13 anos é a arte contemporânea ser tomada por obras que tem um diálogo com o mundo muito a seco, muito direto que cai em obras às vezes extremamente ilustrativas e carregadas de uma narrativa que faz com que também o coeficiente poético de problematização de estranhamento mesmo, hoje em dia você vai a exposição você ja sabe o que vai encontrar, você sabe o statement, o curador é responsável por isso, na verdade, eu não sei o que vem antes no problema, se são os statements de curadores que já dão o assunto para os artistas fazerem o bojo daquilo, mas resumindo muito a história, muito bom ver um trabalho que tem uma dose de uma singularidade extrema, com uma preocupação obviamente formal, visual, mas também isso né, tem aí um radar com questões do nosso mundo contemporâneo, do nosso presente e ao mesmo tempo mantendo essa dose de estranhamento e não indo nem para um lado nem para o outro então é um encontro novamente muito feliz Gustavo, obrigada.
 

Luisa Duarte is an art critic and independent curator based in São Paulo. She has an MA in philosophy from the Pontifical Catholic University and a PhD from the UERJ Art Institute. Duarte was general coordinator of the conference cycle “The Bienal of São Paulo and the Brazilian Artistic Environment: Memory and Projection,” a debate platform of the 28th São Paulo Bienal, Em Vivo contato . . .(2008).